Em tempos de crise é cada vez mais corriqueiro que o consumidor recorra a bancos e instituições financeiras para a concessão de crédito, sobretudo os famosos “empréstimos consignados”. Porém, essa prática pode se tornar uma bola de neve com consequências extremamente graves ao consumidor.
Vivemos uma crise econômica, isso é senso comum e “crise” é uma palavra que não sai da boca do brasileiro.
Entretanto, a situação torna-se mais palpável, e aqui quero chamar a atenção do leitor, ao observar dados apresentados no relatório de inclusão financeira disponibilizado e atualizado em 04 de Dezembro de 2015, pelo Banco Central do Brasil, que aponta o crescimento do endividamento das família entre 2007 e 2014 de 29% para 46% da renda disponível.
No relatório supracitado, o BACEN deixa claro que a maior parte desse endividamento deriva de crédito imobiliário que é um tipo de crédito que, apesar de sua longa duração, demanda garantias e tem perspectivas de gerar patrimônio futuramente.
Tudo bem, discutir a importância/necessidade da geração desse tipo de crédito não é exatamente o tema que venho expor, os dados mencionados só servem de plano de fundo para nosso tema central: o superendividamento.
Nelson Abrão, doutrinador de direito bancário, discorre acerca do assunto em sua obra, Direito Bancário. 14ª Ed. São Paulo. Editora Saraiva, 2011. P. 576:
Na realidade, o superendividamento bancário expressa o contingenciamento de uma camada da população, facilitada pelo crédito, seu pleno acesso, porém enfrentando comprometimento de sua renda salarial para organizar o orçamento e, ao mesmo tempo, adimplir as obrigações.
Como bem explicitado pelo doutrinador, o consumidor busca a instituição financeira (e aqui trato primordialmente da relação entre pessoa física vulnerável e instituição financeira) e passa a lutar para adimplir suas obrigações, ainda que com o orçamento reduzido de maneira significativa.
Acontece que o fenômeno do superendividamento vem sendo uma constante à medida que se verifica a eclosão de centenas de demandas judiciais discutindo juros, capitalização, cobrança de comissão de permanência cumulada com outros encargos bancários, além de taxas e outros serviços bancários.
Apesar de não existir no Brasil nenhuma lei que dê tratamento privilegiado (o que se verifica em outros países como a França) a aqueles casos em que o consumidor passa a comprometer 70%, 80% e até mais de seus rendimentos mensais com dívidas provenientes de financiamentos e contratos de mútuo feneratício, há uma resolução editada pelo Conselho Monetário Nacional que trata da adequação de produtos e serviços bancários, que passo a tratar. Essa é a Resolução 3.694 de 16 de Março de 2009.
A Resolução 3.694 trata basicamente da boa-fé objetiva (necessariamente incidente em todas as relações contratuais e consumeristas), instruindo a instituição financeira a adequar as oferta de seus serviços às necessidades e interesses do cliente para que este não suporte um ônus do qual não tenha condições de adimplir. Vejamos o artigo 1º, I, da supramencionada Resolução:
“Art. 1º As instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, na contratação de operações e na prestação de serviços, devem assegurar:
I – a adequação dos produtos e serviços ofertados ou recomendados às necessidades, interesses e objetivos dos clientes e usuários;”
Ou seja, a instituição financeira deve avaliar as condições individuais de cada cliente antes de conceder um crédito, seja consignado ou qualquer tipo de financiamento, de modo a constatar a viabilidade do pagamento dos juros e encargos não prejudicando o consumidor e aderente, parte vulnerável nesse tipo de contrato.
Ora, o consumidor que se encontra em dificuldade financeira busca a instituição, que detém toda a expertise técnica, para expor a situação com esperanças que lhe seja apresentado a melhor solução com o menor ônus possível.
Por outro lado, o que acontece, na realidade, é que a instituição acaba concedendo mais créditos, ou apresenta acordos e refinanciamentos com parcelas a perder de vista que lucrando ainda mais com a capitalização de juros de mais de 40% ao ano.
O consumidor, por sua vez, sem ver outra saída, acaba entrando em um ciclo vicioso de dívidas atrás de dívidas. Esse singelo exemplo já se tornou uma crise sistêmica em nossos tempos.
Ademais, um problema financeiro dessas proporções, onde o afetado não possui o “mínimo existencial “para suprir suas necessidades básicas, vem acompanhado de crises familiares, depressão e outros problemas de saúde acarretados pelo abalo psicológico.
Infelizmente a Resolução 3.694, apesar de existir há cerca de 7 anos, ainda é pouco conhecida pelo consumidor, e bastante ignorada pelas instituições financeiras que, objetivando o lucro sem pudor, se valem da vulnerabilidade e hipossuficiência (principalmente técnica) de seus clientes.
Por derradeiro, deixo o meu apelo aos consumidores para que se atentem ao próprio orçamento e exijam uma maior adequação dos serviços prestados pelas financeiras, pois é sempre mais fácil evitar superendividamento e suas mazelas do que sair dele.
Aproveito o ensejo e deixo o link da cartilha intitulada” é possível sair do superendividamento “ elaborada pelo Banco Central: clique aqui para ler.